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sábado, 14 de março de 2020

Comentários Eleison – por Dom Williamson Número DCLIV (654) - (25 de janeiro de 2020)

“... EM TENTAÇÃO ...”?


Deus, testai-me, castigai-me ou humilhai-me,
Mas que cair em pecado não seja meu destino.

Um leitor fez uma pergunta clássica sobre o Pai Nosso, onde diz: "E não nos deixes cair em tentação", que em latim é “Et ne nos inducas in tentationem”. A tentação frequentemente leva ao pecado, que é certamente um mal. Como pode o Deus infinitamente bom induzir-nos a um mal? No entanto, se rezamos para Ele pedindo para que não nos induza ao mal, é lógico que Ele pode fazê-lo. Mas como é possível? Pois “E não nos induzas à tentação” é a tradução literal do texto em latim e do texto original em grego – “μη εισενεγκης ημ ας εις πειρασμον” –, e a Igreja ensina que o texto original em grego foi inspirado pelo próprio Deus. Como o próprio Deus pode declarar que pode induzir-nos à tentação? É necessário, assim, que se estabeleçam quatro verdades.

1 Em primeiro lugar, Deus pode querer um mal físico, como, por exemplo, uma doença, para castigar os seres humanos moralmente maus, mas é absolutamente impossível que Deus queira um mal moral, porque isso é pecado, e não é possível que Deus peque, porque Ele é a própria Bondade, porque Ele é o próprio Ser. Pois, se algo existe, então tem de existir uma Primeira Causa, e essa Primeira Causa não pode ter limites finitos estabelecidos para o seu Ser por nenhuma causa anterior ao Seu Primeiro Ser, sendo, portanto, um Ser Infinito. Ora, onde há ser, há bondade, e vice-versa; de fato, os dois são intercambiáveis ​​– o mal é sempre a falta, em um ser, de algo devido a ele; por exemplo, a cegueira não é um mal em uma pedra, mas é um mal em um animal que normalmente tem visão. Portanto, o Ser Infinito é infinitamente bom, ou a Bondade Infinita, incapaz de querer ou de causar diretamente o mal moral. Poucas coisas são mais absolutamente certas do que isso.

2 No entanto, Deus pode permitir o mal moral, porque Ele pode tirar, e sempre tira, dele um bem maior. Nós, seres humanos, não podemos de forma nenhuma ver sempre em que consiste esse bem maior, mas no Juízo Geral, no mais tardar, todos nós veremos claramente a Sabedoria suprema de cada mal moral que Ele permitiu. Eis uma comparação útil: na parte de baixo de um tapete tecido, eu posso apenas adivinhar a beleza do padrão na parte de cima do tapete. Mas essa beleza existe, e sem ela eu não estaria vendo na parte de baixo, o que me permite pelo menos adivinhar a beleza que não é visível dessa mesma parte de baixo.

3 Objeção: mas Deus ainda está agindo para permitir o mal moral, e. g., a tentação de pecar. Por exemplo, em vários versículos de Êxodo VII-XIII, as Escrituras dizem que Deus "endureceu o coração do Faraó", para que ele pecasse contra os israelitas. Solução: não, pois sempre que Deus permite um mal moral, Ele não está cometendo nenhum ato positivo, mas simplesmente se abstendo de conceder a graça ou ajuda com a qual o pecador não teria pecado. Mas ao optar por permitir que o Faraó pecasse, ele estava positivamente induzindo o Faraó à tentação e ao pecado. Não, porque as Escrituras dizem: “Deus é fiel, o qual não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas forças, antes, fará que tireis ainda vantagens da mesma tentação, para a poderdes suportar” (I Cor. X, 13). Portanto, os pecadores sob a tentação recebem de Deus toda a graça de que precisam para não pecar, desde que eles mesmos queiram não pecar. Se caem na tentação, a culpa é deles mesmos.

4 Mas sempre que os pecadores caem na tentação, Deus previu que eles o fariam. Por que, então, Ele os induziu a ela, permitindo-a e abstendo-se de dar a graça necessária para que não caíssem nela? Negativamente, porque se os pecadores caem na tentação, a culpa é somente deles mesmos. Positivamente, Santo Inácio, em seus Exercícios Espirituais (n. 322), apresenta três razões positivas pelas quais Deus pode permitir a desolação espiritual de uma alma, e as mesmas razões se aplicam à tentação espiritual: Deus pode fazer bom uso da tentação moral para castigar-nos ou para provar-nos, ou para ensinar-nos. Ele pode castigar-nos com a tentação seguinte pelo último pecado que cometemos. Então, ao pôr-nos à prova por uma tentação, Ele possibilita que obtenhamos grandes méritos, desde que resistamos e não caiamos. Padre Pio disse: “Se as almas soubessem o quanto podem merecer resistindo às tentações, pediriam positivamente para serem tentadas”. E, finalmente, Deus pode ensinar-nos o quão verdadeiramente dependentes somos de Sua ajuda por uma tentação que nos mostra quão humildes e fracos somos sem a Sua ajuda.

Concluindo, há tanto bem para nós, pecadores, que Deus pode tirar ao permitir que sejamos tentados, que nem sequer somos obrigados a pedir para não sermos tentados, mas antes devemos pedir pela graça de não cairmos quando estamos sendo tentados. Senhor, que o fogo me aqueça, mas nunca me queime. Que pela tentação eu tenha méritos, mas não caia jamais.

Kyrie eleison.

Viva Cristo Rei e Maria Rainha.
Rezem todos os dias o Santo.