Santo
Hilário de Poitiers (ca. 300 - 368 d.C.) foi um bispo na cidade romana
de Pictavium, atual Poitiers, na Gália, e é um dos Doutores da Igreja.
Ele também é muitas vezes chamado de "Martelo dos Arianos" (em latim:
Malleus Arianorum) e o "Atanásio do ocidente". Seu nome vem da palavra
grega para "feliz" ou "alegre".
«Sobre a Santíssima Trindade»
A união entre o Pai e o Filho
«Eu e o Pai somos um só».
Como
os hereges não podem negar estas palavras, ditas de modo tão absoluto,
as corrompem e as falseiam no sentido de sua impiedade, para torná-las
condenáveis. Tentam limitá-las a uma simples unanimidade, como se no Pai
e no Filho a unidade fosse só de vontade e não de natureza, isto é,
como se fossem Eles uma só coisa, não pelo que são, mas pelo que querem.
A tal interpretação adaptam, a seu modo, aquele passo dos Atos dos
Apóstolos onde se diz: "a multidão dos crentes era um só coração e uma
só alma". Almas e corações em número plural podem se unificar pela
convergência das vontades a um único objeto. Servem-se também os hereges
do que está escrito aos Coríntios: "quem planta e quem rega são um só".
Nesses dois haveria unidade moral, porquanto não difere o ministério
instituído para a salvação. Abusam também daquilo que disse o Senhor,
quando rogou ao Pai a salvação das nações que creriam em si: "Não só por
estes rogo, mas também pelos que hão de crer em mim mediante a sua
palavra, a fim de que todos sejam um, assim como Tu, Pai, és em Mim e Eu
em Ti; que eles também sejam um em Nós". Ora, como os homens não podem
dissolver-se em Deus, nem misturar-se num conglomerado indistinto, sua
unidade lhes virá só de uma vontade unânime. Quando os homens fazem o
que é do agrado de Deus - argumentam - a harmonia dos espíritos os
associa. Logo, concluem, não é a natureza, mas a vontade que os unifica.
Ignora a sabedoria quem a Deus ignora. E como a sabedoria é o Cristo,
está fora da sabedoria quem ignora o Cristo ou só o conhece através
dessa gente que prefere ver no Senhor de Majestade, no Rei dos séculos e
Deus Unigênito, uma simples criatura, em vez do verdadeiro Filho. E se
se obstinam são ainda mais estultos na defesa de sua mentira. Deixando
de lado por ora a questão da unidade do Pai e do Filho, podemos
perfeitamente refutá-las com as mesmas armas que empregam. De fato,
quando se diz que a alma e o coração dos fiéis eram um, pergunto se isso
não acontecia pela Fé comum. Sim, pela Fé é que o coração e a alma dos
fiéis eram uma só coisa. Interrogo agora se essa Fé é uma ou múltipla.
Uma só, certamente, como aliás já o Apóstolo no-la assegura, pregando
ser uma a Fé, um o Senhor, um o batismo, uma a esperança e um só Deus.
Ora, se pela Fé, isto é, pela natureza de uma só Fé, todos eram um, como
não aceitarás física a unidade dos que são um pela natureza da única
Fé?Todos, na verdade, tinham renascido para a inocência, a imortalidade,
o conhecimento de Deus, a Fé e a Esperança. E se essas coisas não podem
divergir entre si, pois também a Esperança é uma só, e Deus é único,
único é o Senhor, e único o banho regenerador,quem poderia dizer que
elas são unificadas mais pelo acordo de vontade que por própria
natureza? E que, igualmente, só pela vontade são unificados os que
renasceram para aqueles bens? Se, porém, foram, antes, regenerados para a
natureza de uma mesma vida e eternidade, (pelo que seu coração e sua
alma se faziam um Só), não podemos aqui falar de mera unidade moral:
muitos são um Só na regeneração da mesma natureza. Não estamos falando
de nós mesmos, nem arranjamos algumas citações falsificadas, corrompendo
o sentido das palavras para iludir os nossos ouvintes. Mantendo a forma
da sã doutrina, só acolhemos e prezamos o que é genuíno. O Apóstolo, em
verdade, ensina, ao escrever aos Gálatas, que a unidade dos fiéis lhes
vem da natureza dos sacramentos: "todos os que fostes batizados em
Cristo, vos revestistes de Cristo; não há mais nem gentio nem grego,
servo nem livre, homem nem mulher: todos sois um só em Cristo Jesus".
Se, pois, tantos são um só, apesar da grande diversidade de nações,
condições e sexo, quem poderá supor que isso lhes vem do mero consenso
moral? Não será, antes, da unidade do sacramento, um só batismo, onde
todos se revestiram do único Cristo? Que vem aqui fazer a mera concórdia
das vontades, quando eles são um só, precisamente porque se revestiram
do Cristo único, mediante a realidade do batismo único? Quando diz a
Escritura serem um só o que planta e o que rega, não é também porque,
renascidos eles mesmos de um só batismo, constituem, por sua vez, um
ministério único na administração do banho regenerador? Não fazem,
porventura, a mesma coisa? Não são um só, em um só? Ora, os que são um
só pela mesma coisa, são assim por natureza, não apenas por vontade.
Tornaram-se um, e são, ao mesmo tempo, ministros da mesma coisa e do
mesmo poder. Sirvo-me sempre das alegações opostas pelos tolos, para
demonstrar sua tolice. E claro: sendo a verdade firme e imutável, tudo o
que uma inteligência perversa e insensata arranja para contradizê-la,
vindo em sentido oposto, há de aparecer forçosamente falso e estulto.
Procurando enganar-nos os heréticos arianos com o texto que diz: "Eu e o
Pai somos uma só ", aduziram também outra palavra do Senhor, para levar
a que se pensasse (em vez da unidade de natureza e da não diversa
divindade) numa simples união de mútuo amor e concórdia de vontades. E
este o texto: "para que todos sejam um só; assim como tu, Pai, és em Mim
e Eu em Ti, que eles também sejam um em Nós". Exclui-se, evidentemente,
das promessas evangélicas quem se exclui da fé das mesmas. O crime da
inteligência ímpia faz perder a esperança, que é simples. Ora, não ter o
conhecimento daquilo que constitui o objeto da Fé, merece não castigo,
mas prêmio, pois o maior estipêndio da Fé é esperarmos o que não
conhecemos. A última loucura da impiedade é, ou não crer nas coisas que
conhece, ou corromper o conhecimento do que deve crer. Mas ainda que a
impiedade mude o sentido daquelas palavras, nem por isso perdem o
verdadeiro significado. O Senhor roga ao Pai para que os que crerem nele
sejam um só e, como ele mesmo está no Pai e o Pai nele, também sejam
neles um só. Por que vens agora introduzir a simples concórdia, a
unidade de alma e coração, fundada exclusivamente na harmonia das
vontades? Seria assim, com plena propriedade da expressão, se o Senhor,
ao dirigir-se ao Pai, tivesse usado termos como estes: Pai, assim como
nós queremos uma só coisa, também eles queiram uma coisa, e sejamos
todos um só pela concórdia das vontades... Terá acaso a própria Palavra
ignorado a significação das palavras? Não saberá a Verdade dizer coisas
verdadeiras? Falou com astúcia a Sabedoria? Aquele que é a Força terá
sido incapaz de dizer o que queria? Ora, ele falou, enunciando os puros e
verdadeiros mistérios da Fé evangélica. Nem se limitou a falar para só
mostrar, mas ensinou à nossa Fé nestas palavras: "que todos sejam um só;
assim como tu, Pai, és um em Mim e Eu em Ti, que eles também sejam um
em nós". O pedido do Cristo é, primeiro, "para que todos sejam um só";
em seguida, mostra o modelo da unidade a seguir, nestas palavras: "assim
como Tu, Pai, és em Mim e Eu em Ti, que eles sejam também um em Nós".
Como o Pai está no Filho e o Filho no Pai, assim todos sejam um no Pai e
no Filho, segundo o modelo e a forma da sua unidade! Mas porque só ao
Pai e ao Filho compete a unidade por natureza (pois Deus não pode ser de
Deus, nem o Unigênito provir do Pai eterno, senão na sua original
natureza), assim também, para que se ressalve ao Filho a sua essência de
origem e se reconheça à sua divindade a mesma verdade da Fonte de onde
ela procede, eis que o Senhor, solícito em dissipar toda dúvida à nossa
Fé, se apressa a ensinar-nos nas citadas palavras a natureza dessa
absoluta unidade. Segue-se, pois: "a fim de que o mundo creia que Tu Me
enviaste". O mundo vai crer na missão do Filho, se todos os que crerem
Nele forem um no Pai e no Filho. E como serão, logo acrescenta: "e Eu
lhes darei a glória que Tu me deste". Pergunto então se glória é o mesmo
que "vontade". Vontade é inclinação da mente, glória é reflexo ou
dignidade da natureza. Logo, o que o Filho deu aos seus fiéis não é
vontade, mas glória, aquela que Ele recebeu do Pai. Se, com efeito,
tivesse dado não glória, mas vontade, já nossa Fé não teria prêmio, pois
estaria obrigada por uma vontade prefixada e não livre. A doação da
glória constitui o bem indicado nas palavras que se seguem: "para que
sejam um como Nós o Somos". É para que sejam todos um, que a glória por
Ele recebida do Pai é dada aos crentes. São todos um só na glória
concedida, pois não é outra a que Ele dá senão a que Ele recebe, nem
para outro fim é dada senão para que todos sejam um. E, como pela glória
dada pelo Filho aos fiéis, todos são um, pergunto como há de ter o
Filho uma glória menor do que a do Pai, se aos próprios crentes a glória
do Filho eleva à unidade da glória do Pai. Sem o aspecto da esperança
humana, a palavra do Senhor será talvez insólita, mas seguramente não é
infiel. Pois, embora fosse temerário esperar isso, seria irreligioso
deixar de crer no Autor tanto da Fé quanto da esperança ali contida.
Bem, trataremos melhor deste assunto a seu tempo. Por ora, baste-nos ver
que nossa esperança não é vã ou temerária. Concluindo: todos são um
pela glória que o Filho recebe do Pai e confere aos fiéis. Afirmo a Fé e
ao mesmo tempo fico sabendo a causa da unidade. Só falta compreender
melhor a razão por que essa glória dada ao cristão é capaz de fundar tal
unidade. Não querendo o Senhor deixar algo incerto, referiu-se a um
efeito da sua ação física, quando exclamou: "para que todos sejam um,
como Nós Somos um Só. Eu neles e Tu em Mim para que sejam perfeitos na
unidade". Tenho vontade de perguntar agora aos que pretendem existir
entre Pai e Filho unidade puramente moral, se hoje o Cristo está em nós
na verdade da natureza, ou numa simples concórdia de vontades. Se, com
efeito, o Verbo se fez carne e, se na Ceia do Senhor nós tomamos
verdadeiramente esse Verbo-carne, como não há de permanecer ele em nós
fisicamente? Nascido homem, não assumiu, de modo inseparável, a natureza
mesma de nossa carne? E no mistério do seu corpo, dado a nós em
comunhão, não o juntou à natureza de sua carne sua divindade eterna?
Logo, todos são um só, porque no Cristo está o Pai e em nós o Cristo.
Quem nega que o Pai esteja fisicamente em Cristo, deve primeiro negar
que ele mesmo esteja fisicamente em Cristo e o Cristo em si. É porque em
Cristo está o Pai, e em nós o Cristo, que nós somos também feitos uma
só coisa. Se é verdade que Cristo assumiu a carne de nosso corpo, e que o
homem nascido de Maria é Cristo; se é verdade que nós recebemos em
mistério a carne de seu corpo (e por isso mesmo seremos um, pois o Pai
está Nele e Ele em Nós), como ousam asseverar uma unidade puramente
moral, quando pelo sacramento a propriedade natural (da Carne assumida
por Cristo e por nós comida) é mistério da perfeita unidade? Não se deve
falar das coisas de Deus segundo o espírito do homem e do século. Nem
numa pregação violenta e imprudente. Da pureza das palavras divinas
devemos excluir a perversidade de um entendimento ímpio e estranho.
Leiamos simplesmente o que está escrito e entendamos o que lermos: é o
modo de exercitar a perfeita Fé. Tudo que dissermos da realidade física
de Cristo em nós, ou foi dele mesmo que aprendemos, ou então é ímpio e
estulto o que afirmamos. Mas ele mesmo diz: "Minha carne é
verdadeiramente comida e Meu sangue verdadeiramente bebida. Quem come a
Minha carne e bebe o meu sangue, fica em Mim e Eu nele". Quanto à
verdade da carne e do sangue, não há lugar para dúvida: é
verdadeiramente carne e verdadeiramente sangue, como vemos pela própria
declaração do Senhor e por nossa Fé em suas palavras. Esta carne, uma
vez comida, e este sangue, bebido, fazem que sejamos também nós um em
Cristo, e o Cristo em nós. Não é isto verdade? Não o será para os que
negam ser Jesus Cristo verdadeiro Deus! Ele está, pois, em nós por sua
carne e nós Nele, e ao mesmo tempo o que nós somos está com Ele em Deus.
Jesus mesmo atesta quão realmente estejamos Nele pelo mistério da
comunhão de sua carne e sangue, dizendo: "o mundo já não Me Vê; vós,
porém, Me vereis, pois, Eu vivo e vós vivereis; pois Eu estou no Pai e
vós em Mim, e Eu em vós". Se tencionou referir-se apenas a uma unidade
de vontade, por que estabeleceu esta graduação e ordem na consumação da
unidade? Não foi senão para que se cresse que Ele está em nós pelo
mistério dos sacramentos, como está no Pai pela natureza da sua
divindade, e nós Nele, por sua natureza corporal. Ensina-se, portanto,
que pelo nosso Mediador se consuma a unidade perfeita, pois enquanto nós
permanecemos Nele, Ele permanece no Pai, e, sem deixar de permanecer no
Pai, permanece também em nós, e assim nós subimos até à unidade do Pai!
Ele está no Pai fisicamente, segundo a origem de sua eterna natividade,
e nós estamos Nele fisicamente, enquanto também está em nós
fisicamente. Quão real seja esta unidade em nós, atesta-o, dizendo:
"Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu
nele". Só aquele no qual o Senhor estiver poderá estar Nele. Ele somente
assume a carne daquele que o receber. Já tinha o Senhor ensinado antes o
mistério desta perfeita unidade, ao dizer: "Assim como Me enviou o Pai,
que vive, e Eu vivo pelo Pai, o que comer a minha carne também viverá
por Mim". Ele vive, pois, pelo Pai e do mesmo modo como vive pelo Pai
nós vivemos por sua carne. Toda comparação, realmente, se emprega para
determinar a forma que se quer dar a entender. Seu fim é fazer-nos
atingir uma realidade segundo o modelo proposto. Esta é, pois, a causa
de nossa vida: que, por sua carne, tenhamos o Cristo em nós. Nós somos
corporais, mas destinados a viver por ele segundo a mesma condição em
que ele vive pelo Pai. Se, portanto, vivemos por ele, fisicamente,
segundo a carne, isto é, alcançando a natureza de sua carne mesma, como é
que ele não tem fisicamente o Pai, segundo o espírito, se é pelo Pai
que ele vive? Vive realmente pelo Pai; sua origem por geração não lhe
confere uma natureza diversa, e é pelo Pai que é o que é, nunca se
separando por qualquer dessemelhança sobrevinda. Por sua geração tem em
si o Pai na força da mesma natureza.Se quisemos recordar tudo isto foi
porque os hereges, afirmando falsamente uma simples unidade moral entre o
Pai e o Filho usavam o exemplo de nossa própria unidade com Deus. Para
eles, era como se, unidos ao Filho e ao Pai por mero vínculo de obséquio
e vontade religiosa, estivéssemos excluídos de qualquer comunhão física
pelo sacramento da carne e do sangue. Ora, a verdade é que, pela
comunicação da própria honra do Filho e pela existência do próprio Filho
em nós por sua carne, e de nós Nele, de modo corporal e inseparável, se
tem de professar o mistério de uma unidade real e verdadeira."Oh Trindade eterna! Vós sois um mar sem fundo no qual, quanto mais me afundo, mais Vos encontro, e quanto mais Vos encontro, mais ainda Vos procuro. De Vós jamais se pode dizer: basta! A alma que se sacia nas Vossas profundidades, deseja-Vos sem cessar, porque sempre está desejosa de ver a luz na Vossa luz".
Santa Catarina de Sena
Viva Cristo Rei e Maria Rainha.
Rezem todos os dias o Santo Rosário.