Reflexões gerais
sobre a Paixão de Jesus Cristo
sobre a Paixão de Jesus Cristo
Nosso fiador
1. Agradeçamos ao Pai e
agradeçamos igualmente ao Filho que quis tomar a nossa carne e juntamente os
nossos pecados para dar a Deus com sua paixão e morte uma digna satisfação. Diz
o Apóstolo que Jesus Cristo se fez nosso fiador, obrigando-se a pagar as nossas
dívidas (Hb 7,22). Como mediador entre Deus e os homens, estabeleceu um pacto
com Deus por meio do qual se obrigou a satisfazer por nós a divina justiça e em
compensação prometeu-nos da parte de Deus a vida eterna. Já com muita
antecedência o Eclesiástico nos advertia que não nos esquecêssemos do benefício
deste divino fiador que, para obter a salvação, quis sacrificar a sua vida
(Eclo 29,20). E para mais nos assegurar do perdão, diz S. Paulo, foi que Jesus
Cristo apagou com seu sangue o decreto de nossa condenação, que continha a
sentença da morte eterna contra nós, e a afixou à cruz, na qual, morrendo,
satisfez por nós a justiça divina (Cl 2,14). Ah, meu Jesus, por aquele amor que
vos obrigou a dar a vida e o sangue no Calvário por mim, fazei-me morrer a
todos os afetos deste mundo, fazei que eu me esqueça de tudo para não pensar
senão em vos amar e dar-vos gosto. Ó meu Deus, digno de infinito amor, vós me
amastes sem reserva e eu quero também amar-vos sem reserva. Eu vos amo, meu
sumo Bem, eu vos amo, meu amor, meu tudo.
2. Em suma, tudo o que nós
podemos ter de bens, de salvação, de esperança, tudo possuímos em Jesus Cristo
e nos seus merecimentos, como disse S. Pedro: “E não há em outro nenhuma
salvação, nem foi dado aos homens um outro nome debaixo dos céus em que nós devemos
ser salvos” (At 4,12). Assim para nós não há esperança de salvação senão nos
merecimentos de Jesus Cristo. Donde S. Tomás, com todos os teólogos, conclui
que depois da promulgação do Evangelho nós devemos crer explicitamente, por
necessidade não só de preceito, como também de meio, que somente por meio de
nosso Redentor nos é possível a salvação. Todo o fundamento de nossa salvação
está, portanto, na redenção humana do Verbo divino, operado na terra.
É
preciso, pois, refletir que ainda que as ações de Jesus Cristo feitas no mundo,
sendo ações de uma pessoa divina, eram de um valor infinito, de maneira que a
mínima delas bastava para satisfazer a justiça divina por todos os pecados dos
homens, contudo só a morte de Jesus foi o grande sacrifício com o qual se
completou a nossa redenção, motivo pelo qual as Sagradas Escrituras se atribui
a redenção do homem principalmente à morte por ele sofrida na cruz:
“Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à morte e morte de cruz” (Fl 2,8).
Razão por que escreve o Apóstolo que, quando tomamos a sagrada eucaristia, nos
devemos recordar da morte do Senhor: “Todas as vezes que comerdes deste pão e
beberdes deste vinho, anunciareis a morte do Senhor, até que ele venha” (1Cor
11,26).
Por que é que diz da morte e não da encarnação, do nascimento, da
ressurreição? Porque foi esse tormento, o mais doloroso de Jesus Cristo, que
completou a redenção. Por isso dizia S. Paulo: “Não julgueis que eu sabia
alguma coisa entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado” (1Cor 2,2).
Muito bem sabia o apóstolo que Jesus Cristo nascera numa gruta, que habitara
por trinta anos uma oficina que ressuscitara e subira aos céus. Por que então
escreve que não sabia outra coisa senão Jesus crucificado? Porque a morte
sofrida por Jesus na cruz era o que mais o movia a amá-lo e o induzia a prestar
obediência a Deus, a exercer a caridade para com o próximo, a paciência nas
adversidades, virtudes praticadas e ensinadas particularmente por Jesus Cristo
na cátedra da cruz. S. Tomás escreve: “Em qualquer tentação encontra-se na cruz
o auxílio; aí a obediência para com Deus, aí a caridade para com o próximo, aí
a paciência nas adversidades, donde assevera Agostinho: "A cruz não foi só o
patíbulo do mártir, como também a cátedra do mestre”. (In c. 12 ad Heb.).
Santo Afonso de Ligório