Sermão de Santo Antonio
“Tenho
ainda outras ovelhas que não são deste rebanho; também a elas eu devo conduzir:
e elas escutarão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16).
A ovelha, um animal macio no corpo e na lã, é chamada em latim “óvis”, de
oblação, oferta, porque no início não se ofereciam em sacrifício touros e sim
ovelhas. Ovelhas são os fiéis da Igreja de Cristo que todos os dias sobre o
altar da paixão do Senhor e no “sacrifício” do coração arrependido oferecem-se
a si mesmos qual hóstia pura, santa e agradável a Deus. “Tenho outras ovelhas”,
isto é, os gentios, os pagãos, “que não são deste rebanho”, não são do povo de
Israel; “também a estas eu devo conduzir” por meio dos apóstolos e “haverá um
só rebanho e um só pastor”. E esta é a Igreja reunida e formada por ambos os
povos. Esta é a mulher de que fala o Apocalipse; “Apareceu no céu um sinal
grandioso: uma mulher vestida de sol, com a lua sob seus pés e na cabeça uma coroa
de doze estrelas. Estava grávida e
gritava pelas dores e trabalho de parto”
(Ap 12,1-12). Sentidoalegórico. Esta mulher representa a Igreja que de bom
alvitre é chamada “mulher”, porque fecunda de muitos filhos que gerou pela água
e pelo Espírito Santo. Esta é a mulher vestida de sol . O sol é assim chamado
porque ele aparece sozinho, depois de ter obscurecido com o seu fulgor todas as
demais estrelas. O sol é Jesus Cristo! Ele habita numa luz inacessível cujo
esplendor vela e obscurece os frágeis raios de todos os santos, se forem
comparados a ele, porque “não há santo como o Senhor” (1R 2,2). Diz Jó: “Mesmo
que eu me lavasse com as águas da neve e minhas mãos brilhassem como nunca,
assim mesmo tu me jogarias no lodo e
minhas próprias roupas
teriam horror de
mim (Jó 9,30-31).
Nas águas da
neve é representada o arrependimento das lágrimas e nas mãos que
brilham a perfeição do agir. Diz, pois: mesmo se eu me lavasse com as águas da
neve, isto é, do arrependimento, e minhas mãos brilhassem com o esplendor de
uma conduta perfeita, mesmo assim me jogarias no lodo, isto é, me farias ver
que sou ainda sujo e teriam horror de mim, isto é, me tornariam abominável, as
minhas vestes, quer dizer, as minhas qualidades ou os membros do meu corpo, se
quisesses tratar-me com rigor: mas, ajuda-me, tu, ó Senhor! Diz Isaías: “Todos nós nos tornamos
sujos”, isto é, como um leproso; “todas as nossas justiças são como o pano de
mulher menstruada; todos nós caímos como folhas e as nossas maldades nos
levaram como vento” (64,6). Por isso o único bom,o único justo e santo é aquele
sol de cuja fé e de cuja graça a Igreja é vestida. “E com a lua sob seus pés”.
A lua, por causa das variações de seu aspecto. Está indicando a instabilidade
da nossa mísera condição. Da quio dito: “O jogo de sorte muda que nem a lua:
cresce e diminui, nunca fica a mesma”. Por isso o Eclesiástico diz: “O estulto
muda como a lua” (27,12). O estulto, isto é, o seguidor deste mundo, passa dos
“chifres” (formada lua no primeiro e último quarto) da soberba à “forma
arredondada” da concupiscência carnal e vice-versa. Esta inconstante
prosperidade das coisas caducas deve ser posta sob os pés da Igreja. Os pés da
Igreja são todos os prelados que devem conduzí-la como os pés conduzem e
sustentam o corpo. E sob estes pés devem
ser pisados como
esterco todas as
coisas temporais. Por
isso lemos em
Atos: “Todos os
que possuíam campos ou
casas os vendiam,
traziam a importância
daquilo que tinha
sido vendido e a depositavam
aos pés dos Apóstolos” (4,34) porque consideravam como esterco todas aquelas
coisas. “Tinha sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”. As doze estrelas são
os doze Apóstolos que iluminam a noite deste mundo. “Vós sois - diz o Senhor -
a luz do mundo” (Mt 5,14). A coroa, assim chamada porque é como uma roda em
volta da cabeça, de doze estrelas é a fé dos doze apóstolos; e é coroa porque
não tolera acréscimo ou diminuição, como todo círculo: e isso porque é completa
e perfeita. A Igreja tem filhos, concebidos como a semente da palavra de Deus,
grita pelas dores nos penitentes e sofre no parto pelos esforços de converter
os pecadores. Por isso ela, com as palavras de Baruc, diz: “Fui deixada
sozinha; me despojei da estola da paz e me vesti com o saco da súplica e
gritarei ao Altíssimo por todos os meus dias. Animai-vos, filhos, gritai ao
Senhor e ele vos livrará das mãos e do poder dos inimigos. Ele vos fez partir
no luto e no choro, mas vos reconduzirá a mim, o Senhor, na alegria e
exultação” (4,19-23). E isto acontece no dia das Cinzas quando os penitentes
são convidados a ficarem fora da igreja e no dia da Ceia do Senhor quando são
ali acolhidos. Sentido moral. “Uma mulher vestida de sol”. É a alma fiel de
quem diz Salomão: “Quem encontrará uma mulher forte? Seu valor é como aquele
das coisas trazidas de longe e da extremidade
da terra” (Pv
31,10). Feliz a
alma que, revestida
pela força do
alto, resiste impávida
na adversidade e na prosperidade e derrota com coragem os poderes do ar.
O valor, o preço desta mulher foi Jesus Cristo que por sua redenção veio de
longe; do seio do Pai, em sua divindade e da extremidade da terra, quer dizer,
de parentes paupérrimos, em sua humanidade. Ou ainda: por “preço” entendam-se
as virtudes. Com este preço se é resgatado, redimido. Diz Salomão: o resgate do
homem são suas riquezas (Pv 13,8), isto é, as virtudes (riquezas espirituais) .
As virtudes vêm de longe, isto é, do alto; os vícios, ao invés, são nossos familiares,
porque provêm de nós mesmos. Esta mulher é vestida de sol. Observe-se que no
sol existem três qualidades: candura, esplendor e calor. Na candura é
significada a castidade, no esplendor a humildade e no calor a caridade. Com
estas três virtudes se confecciona o manto da alma fiel, da esposa do celeste
esposo. Sobre este manto diz Booz a Rute: “Alarga o manto com que te cobres e
segura-o com todas as duas mãos. Ela o estendeu e o segurou estendido e ele
colocou seis medidas de cevada e pôs-lhe nos ombros” (Rt 3,15). Booz quer dizer
“forte”, Rute “que se vê e tem pressa”. Vejamos o significado da extensão do
manto, as duas mãos e as seis medidas de cevada. Rute é a alma que, vendo a
miséria deste mundo, a falsidade do diabo, a concupiscência da carne,
apressa-se na direção da glória da vida eterna. Alarga este manto quando
atribui não a si mas a Deus a sua castidade, a humildade e a caridade e mostra
estas virtudes unicamente para a edificação do próximo. E, para não perdê-las,
segura-as com as duas mãos, isto é, com o temor e com o amor de Deus. Nós Vos
pedimos, Senhor Jesus, Vós que sois o bom pastor: Guardai-nos como vossas
ovelhas, Defendei-nos dos mercenários e do lobo E coroai-nos no vosso Reino Com
a coroa da vida eterna. Dignai-vos conceder-nos Vós que sois bendito, glorioso,
E digno de louvor por todos os séculos do séculos. E toda ovelha, E toda alma
fiel diga: Amém. Aleluia!
Viva Cristo Rei e Maria Rainha.
Rezem todos os dia Santo Rosário.