Sermão
proferido por Dom Tomás de Aquino OSB. Desejou-se, tanto quanto
possível, conservar em sua escrita a simplicidade da linguagem oral.
†
PAX
V Domingo depois de Pentecostes 2002
O Evangelho de hoje nos fala da caridade
fraterna. Como todo mandamento, ele pode ser enunciado sob a forma
negativa (“não matarás, “não te vingarás” ou “não te irritarás contra o
teu irmão”), ou então de maneira afirmativa (“amarás o teu próximo como a
ti mesmo”).
Vejamos o que diz o profeta Isaías sobre
a caridade fraterna, da qual nos fala Nosso Senhor no Evangelho de
hoje. “O jejum que eu peço consiste por acaso em fazer que um homem
mortifique a sua alma durante um dia, que se cubra com um saco e com
cinzas? É isso o que nós chamamos jejum e um dia agradável ao Senhor? O
jejum que eu aprovo é antes esse: rompei as cadeias da impiedade,
aliviai dos seus pesados fardos os que estão sobrecarregados, mandai em
liberdade os que estão oprimidos e acabai com tudo o que sobrecarrega os
outros. Reparti o vosso pão com o que tem fome e dai entrada na vossa
casa aos pobres e àqueles que não sabem onde se abrigar. Quando vires um
homem nu, vesti-o e não desprezeis a vossa própria carne”. O profeta
Isaías nos descreve aqui a verdadeira caridade fraterna.
‘Por toda parte há pobres não só de
corpo mas, mais ainda, de alma, almas fracas, doentes, oprimidas… Pois
bem! Pegai os seus fardos. Mandai-as livres, isto é, quando diante de ti
falarem de algum defeito do próximo, não acrescente outro. Habilmente,
porque às vezes não é conveniente contradizer, contrabalance com as suas
virtudes, despeça em liberdade os que estão oprimidos e acabe com o que
sobrecarrega os outros. Reparta do seu pão, isto é, dê-se a si mesmo,
mande entrar na sua casa, isto é, dê de seus bens, ou seja, a sua
tranquilidade, o seu repouso àqueles que não sabem onde se abrigar, que
são pobres espiritualmente e materialmente”.
“Então”, diz o profeta Isaías, “a vossa
luz brilhará como a aurora, bem depressa recuperareis a saúde, a vossa
justiça caminhará à vossa frente e a glória do Senhor proteger-vos-á.
Então invocareis o Senhor e Ele vos atenderá: chamareis e Ele dir-vos-á
‘eis me aqui’. Se destruirdes as cadeias entre vós, se cessardes de
dizer palavras ofensivas, se auxiliares o pobre com efusão, se
consolares a alma aflita, para vós a luz nascerá das trevas e as vossas
trevas tornar-se-ão como o meio-dia. O senhor dar-vos-á a paz para
sempre, encherá de esplendor a vossa alma, reanimará os vossos ossos,
tornar-vos-ei um jardim sempre regado e uma fonte cujas águas não se
esgotam nunca”. E Isaías prossegue: “Lugares desertos há séculos
encher-se-ão de edifícios; vós levantareis os alicerces abandonados
durante muitos anos e dirão de vós que reparais as muralhas e tornais
seguros os caminhos”.
Escutemos agora o comentário que dá
desse texto a maior santa dos tempos modernos: “Acabais de ouvir a
recompensa! Se deixais de dizer palavras pouco caridosas, se quebrais as
cadeias das almas cativas pela vossa doçura e afabilidade; se
auxiliares as almas pobres e abandonadas com efusão, quer dizer, com
coração, com amor, com desinteresse, se consolais os que sofrem,
‘recuperareis a vossa saúde interior, a vossa alma não se enfraquecerá
nunca. A vossa justiça caminhará diante de vós. Mas como estas obras,
para serem proveitosas, devem permanecer escondidas; como o próprio da
virtude, semelhante à humilde violeta, é de perfumar sem que as
criaturas saibam donde vem esse perfume, por isso a glória do Senhor vos
protegerá. Não a vossa própria glória, mas glória do Senhor! E o
Senhor’, continua Isaías, ‘atender-vos-á, dar-vos-á descanso, uma luz
nascerá para vós das trevas e as vossas trevas tornar-se-ão para vós
como o meio-dia; não que as trevas desapareçam, as provações não podem
faltar a uma alma, mas vossas trevas serão luminosas… e tereis a paz, a
alegria, para vós mesmos uma claridade brilhará para sempre, no meio da
noite interior da alma.
Tornar-vos-ei um jardim sempre irrigado,
uma fonte cujas águas não se esgotam nunca, pois procede de Deus, e as
almas, todas as almas, poderão vir beber dessa água sem nunca fazer mal
àquele que dá aos outros por caridade. Mas não é tudo”, acrescenta Santa
Teresinha, “‘os lugares desertos há séculos’, diz Isaías, ‘serão
repletos de edifícios, levantados os alicerces’. Que quer dizer o
profeta com essas palavras? Como, praticando a caridade, o amor do
próximo, posso eu construir edifícios?! Isto não parece ter nenhuma
relação com a caridade fraterna, sobretudo dentro de uma comunidade
contemplativa… E, contudo, os anjos no Céu dirão de vós que reparais
muralhas e que fazeis seguros os caminhos…”
Que mistério! Pelas nossas pequenas
virtudes, pela nossa caridade praticada na sombra do claustro ou na
sombra dos deveres de estado em casa, no trabalho, na escola, no dia a
dia de todos os senhores e senhoras, nós convertemos de longe as almas…
nós ajudamos os missionários… e mesmo, no último dia, talvez de diga que
nós construímos as moradas materiais de Jesus e preparamos os seus
caminhos”.
Essa longa citação do profeta Isaías
intercalada de comentários de Santa Teresinha merece toda a nossa
atenção. A caridade fraterna é a pedra de toque, é a menina dos olhos, é
o coração do Cristianismo.
A caridade é a rainha das virtudes, e se
ela tem Deus como principal objeto, ela tem o próximo como o mais
acessível; e Nosso Senhor julgará nosso amor por Deus pelo nosso amor
pelo próximo. “Se nós não amamos o próximo que vemos, como amaremos a
Deus que não vemos?”, pergunta São João.
Procuremos, pois, esquecer de nós mesmos
e deixemos o próximo tomar nosso tempo, nossa tranquilidade, nossa
vida, enfim, pois Nosso Senhor disse: “Tudo o que fizerdes a um desses
pequeninos a Mim o fizeste”. Qual de nós aceitaria que se falasse mal de
Nosso Senhor? Ora, quando desviamos a conversa para não falar mal do
próximo ou atenuar seus defeitos, estamos defendendo Nosso Senhor Ele
mesmo, conforme Ele nos disse.
Retiremos os fardos, os pesos das costas
de nossos próximos, pois toda alma sofre nesse mundo e a caridade opera
milagres, aliviando uns, fortificando outros, contribuindo para a
salvação de todos. Assim nossa justiça ultrapassará a dos fariseus que,
recusando a lei de Nosso Senhor, queriam tratar a todos segundo a Lei do
Antigo Testamento: olho por olho, dente por dente.
Não! Essa não é a lei de Nosso Senhor
que nos amou quando éramos filhos da ira e nos ensinou a perdoar, a
sarar, a converter, a consolar e a deixar o julgamento a Ele, que é o
que, recusando a lei de Nosso Senhor, queriam tratar a todos segundo a
Lei do Antigo Testamento: olho por olho, dente por dente.
Não! Essa não é a lei de Nosso Senhor
que nos amou quando éramos filhos da ira e nos ensinou a perdoar, a
sarar, a converter, a consolar e a deixar o julgamento a Ele, que é o
Rei dos reis, o Juiz dos juízes, que, ao deixarmos o exílio desta vida,
nos julgará não a respeito do número de nossas obras, mas sim a respeito
do amor com o qual nós a realizamos.
Que Nossa Senhora nos ensine esses mistérios da caridade que devemos imitar. Assim seja.
Dom Tomás de Aquino O.S.B.
Viva Cristo Rei e Maria Rainha.
Rezem todos os dia Santo Rosário